Pages

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Abacates que caem

Ela gosta da liberdade de escrever sem obrigação, de anotar trechos de músicas ou frases aleatórias no rascunho do celular pra usar de legenda nas fotos do Instagram. Ela prefere usar vestido de tênis e de ouvir as mesmas músicas sempre, até enjoar e parar de gostar da banda. Outra característica que a define é a convicção das ideias. Seja sobre política, feminismo ou vida pessoal – é daquelas que sabe falar de tudo um pouco, ou assume, sem vergonha nenhuma, de que não tem argumentos para continuar uma conversa.

Acompanho de longe sua transformação e digamos que 2014 foi um ano de descobertas. Todos aqueles tabus que ainda eram distantes foram apresentados pra ela – alguns não da melhor forma. Estupro, agressão, opressão policial, machismo e imposição de pessoas que estiveram sempre por perto. São palavras fortes das quais a maioria das pessoas se incomoda em ouvir (ou ler, no caso), mas vê-la sentir na pele tantas emoções e carregar tantas lembranças pro resto da vida é difícil até pra mim, que fico aqui, de longe, só observando.

Esse ano ela fez uma tatuagem. Alguma coisa sobre coragem, não sei direito o que significa. E faz todo sentido para o que ela tem vivido (e lá vou eu listar outra característica). Mas as descobertas não se limitam nas coisas ruins – esses dias a ouvi falando algo sobre “as mulheres da minha vida”. Por ter entrado nesse caminho sem ter pedido, ela conheceu outras pessoas que já trilhavam a mesma rota: Suzane, Camila, Clara, Ana, Jessica, Gabriela, Sofia, Stefanie, Carolina, Raphaella, Polly, Maria e outras tantas que trazem consigo histórias parecidas, carregadas de luta e emponderamento.

Mesmo com essas experiências, alguns hábitos permaneceram. Como o de cortar o cabelo quando quer deixar alguém ou alguma fase para trás – é claro que para um fardo tão grande faria com que muito cabelo entrasse na jogada, e não foi diferente. Ela tenta conciliar os estudos com a caixa de 48 cores de lápis de cor e as folhas do moleskine, com as revistas que chegam mensalmente e ela não consegue acompanhar a leitura, sem falar da pilha de livros que cresce na prateleira. Se não me engano, no próximo mês ela termina a graduação e o estágio, viaja pra pular as ondas e receber 2015 com uma página em branco e o resto do corpo pra tatuar.

Entre o barulho das folhas quando os abacates caem das árvores no chão e o LP do Tim Maia rodando na vitrola, a vejo passar na minha calçada, sempre sozinha, de fones e com um livro na mão. Tem uma capa inteira fúcsia, eu fico aqui, tentando imaginar sobre o que é, assim como qual música ela ouve pra decifrar qual banda ela vai enjoar dessa vez.

 

Template by BloggerCandy.com