Hoje você tem a idade que eu sempre quis ter. Aos dez eu
queria ter quinze pra namorar, aos quinze eu queria ter dezesseis pra
trabalhar, aos dezesseis queria ter dezoito pra entrar no motel e aos dezoito eu
namorava, trabalhava e ia bem menos ao motel do que gostaria.
Hoje você pode pegar o carro e ir pra praia num sábado de
madrugada. Eu sempre quis ver o nascer do sol sentada na areia – por mais
clichê que isso possa parecer. Queria colocar o som no último volume e cantar
sem ter vergonha, dançar na areia quente e reclamar da areia no biquíni.
Hoje você tem responsabilidades, essas mesmas que eu sempre
quis ter. Você estudou o que queria, se formou e tem uma profissão. Eu sempre
quis te acompanhar nas idas ao bar da faculdade, nos churrascos na casa dos seus
amigos, nas conversas de madrugada que tinham mais risadas do que assunto.
Hoje você é livre, do jeito que eu sempre quis ser. Pode
fazer o que quiser, demorou, mas conseguiu livrar a cabeça e o coração da
dependência de outras pessoas. Pode sair com quem e quando quer, pode virar a
noite na rua, pode se jogar. Não precisa dar as malditas satisfações que eu
tanto odeio, não precisa se justificar.
Hoje você atingiu as metas que eu sempre estipulei. Os
planejamentos que eu insistia em fazer durante toda a minha vida foram
concluídos com sucesso e eu odeio não saber o que vai acontecer. Você pode relaxar,
trabalhar de casa, sair e virar a noite bebendo no litrão do Centro em plena
segunda-feira.
Hoje você tem liberdade pra acreditar no que quiser. Eu
sempre quis ser feminista, rezar pra algum Deus sem duvidar de nada e seguir
uma religião sem ofender a crença da minha família. Você pode ir pros seus
rituais de ayahuasca, sentir a fé e não precisar se explicar – eu odeio me
explicar.
Hoje você corta o cabelo do jeito que quiser. Toda vez que a
analista falava alguma coisa que eu não queria saber ou lembrar, eu queria
deixar aquilo pra trás e cortar um pedaço do meu cabelo. Nunca pude, não era
legal ter cabelo curto e cacheado...
Hoje você tem a vida que eu sempre quis ter e por que não
está feliz? A conta ainda tá no azul, os amigos por perto, só falta perder o
medo de dirigir. Não precisa ligar pra ninguém e pedir permissão, não precisa
ter medo. E caso tenha, olha pro braço, corta mais um pouco do cabelo e fura
logo esse piercing que eu sei que você quer.
Hoje você é quem eu sempre quis ser e por que não está
feliz? Ninguém te conhece tanto quanto suas próprias palavras, essas mesmas que
soam tão adolescentes e vindas do fotolog. Você pode fazer o que quer, tá
ridículo continuar postando nesse blog como se fosse um diário. Pega logo o
carro, vai pra praia e perde o medo de correr – seu tornozelo tá zerado,
acredita em mim.
Hoje você pode fazer o que eu sempre quis.
Então faça.