Pages

terça-feira, 19 de maio de 2015

Hoje vim pedir iniciativa

Hoje você tem a idade que eu sempre quis ter. Aos dez eu queria ter quinze pra namorar, aos quinze eu queria ter dezesseis pra trabalhar, aos dezesseis queria ter dezoito pra entrar no motel e aos dezoito eu namorava, trabalhava e ia bem menos ao motel do que gostaria.

Hoje você pode pegar o carro e ir pra praia num sábado de madrugada. Eu sempre quis ver o nascer do sol sentada na areia – por mais clichê que isso possa parecer. Queria colocar o som no último volume e cantar sem ter vergonha, dançar na areia quente e reclamar da areia no biquíni.

Hoje você tem responsabilidades, essas mesmas que eu sempre quis ter. Você estudou o que queria, se formou e tem uma profissão. Eu sempre quis te acompanhar nas idas ao bar da faculdade, nos churrascos na casa dos seus amigos, nas conversas de madrugada que tinham mais risadas do que assunto.

Hoje você é livre, do jeito que eu sempre quis ser. Pode fazer o que quiser, demorou, mas conseguiu livrar a cabeça e o coração da dependência de outras pessoas. Pode sair com quem e quando quer, pode virar a noite na rua, pode se jogar. Não precisa dar as malditas satisfações que eu tanto odeio, não precisa se justificar.

Hoje você atingiu as metas que eu sempre estipulei. Os planejamentos que eu insistia em fazer durante toda a minha vida foram concluídos com sucesso e eu odeio não saber o que vai acontecer. Você pode relaxar, trabalhar de casa, sair e virar a noite bebendo no litrão do Centro em plena segunda-feira.

Hoje você tem liberdade pra acreditar no que quiser. Eu sempre quis ser feminista, rezar pra algum Deus sem duvidar de nada e seguir uma religião sem ofender a crença da minha família. Você pode ir pros seus rituais de ayahuasca, sentir a fé e não precisar se explicar – eu odeio me explicar.

Hoje você corta o cabelo do jeito que quiser. Toda vez que a analista falava alguma coisa que eu não queria saber ou lembrar, eu queria deixar aquilo pra trás e cortar um pedaço do meu cabelo. Nunca pude, não era legal ter cabelo curto e cacheado...

Hoje você tem a vida que eu sempre quis ter e por que não está feliz? A conta ainda tá no azul, os amigos por perto, só falta perder o medo de dirigir. Não precisa ligar pra ninguém e pedir permissão, não precisa ter medo. E caso tenha, olha pro braço, corta mais um pouco do cabelo e fura logo esse piercing que eu sei que você quer.

Hoje você é quem eu sempre quis ser e por que não está feliz? Ninguém te conhece tanto quanto suas próprias palavras, essas mesmas que soam tão adolescentes e vindas do fotolog. Você pode fazer o que quer, tá ridículo continuar postando nesse blog como se fosse um diário. Pega logo o carro, vai pra praia e perde o medo de correr – seu tornozelo tá zerado, acredita em mim.

Hoje você pode fazer o que eu sempre quis.

Então faça.

sábado, 21 de março de 2015

Eu não sinto nada

Acordei achando que era terça. Ontem me entupi de pizza e brigadeiro e risada e filme de terror. É maravilhoso ter amigas como vizinhas. Tirei a maquiagem do rosto, ouvi um pouco de Gal e dormi. Pensei que hoje fosse terça, mas o ritual continua o mesmo: abro o olho, vejo tudo embaçado, agradeço pela chance de recomeçar. Sento na cama, procuro os chinelos, xixi, água gelada, ânsia de vômito quando escovo a língua, óculos no rosto. Estico os lençóis da cama, abro a janela, o gato senta e fica olhando pra viela.
Desci, tomei uma xícara de café com leite - sempre desnatado - minha mãe pergunta se perdi o sono. Volto pra cama, ligo a tv em algum desenho aleatório, com o dedo do pé ligo o computador e dou play no vídeo da Beyoncé. Penso que ainda são 9h e nenhum amigo tá acordado. Quero sair, quero conversar.
O celular toca. Sobe a notificação do whatsapp. "feijoada hoje?". Sim, por quê não? Pego carona pro centro de Diadema e vou na ótica buscar o óculos novo. Atravesso a rua e compro a Tpm desse mês na banca de jornal. Tento ligar pra uma amiga, celular desligado. Subo pro shopping e penso que devia ter vestido uma calça ao invés do short. Sinto frio. Saco dinheiro, entro em lojas de departamento. Encontro a amiga que tava com o telefone desligado. "já almoçou?" "só às 15h" "vou dar umas voltas e depois venho aqui te encontrar". São 13h.
Eu ainda quero alguém pra conversar. Ninguém online, hoje é sábado, deixa as pessoas dormirem. Abro a revista e leio a carta do editor. Dou mais uma volta inteira no andar. Entro em uma loja e sento na seção de calçados. Tá tocando Bruno Mars e o ar deve estar nos 18°c. Os pinos da minha perna doem. 20 cm de cicatriz latejam. É suportável.
Fazia tempo que não lia a Tpm. Especial sobre bundas. Adoro ler a Milly Lacombe. Tem um texto ótimo da Maria Ribeiro na última página. São 14h15. Devia escrever alguma coisa. As vendedoras estão me olhando. Vou fingir que estou esperando alguém. Digito esse texto no bloco de notas do celular. Tá frio demais aqui.
Não faria diferença alguma se hoje fosse terça.

terça-feira, 3 de março de 2015

Em caso de incêndio

Eu tenho mania de organização. Preciso alinhar os lençóis da cama mesmo antes de dormir. Os bibelôs da prateleira, assim como os livros, precisam estar sempre alinhados, no mesmo lugar, seguindo alguma ordem pré determinada. Eu guardo numa lata de colomba pascal alguns bilhetes que eu ganhei na 8ª série, embalagens de chocolate, aviões de papel, aliança de compromisso, palhetas e papeis de set list de shows. Tudo me lembra alguém, um momento, uma lembrança que eu faço questão de arquivar. Da mesma forma que as pastas no meu computador são separadas por temas e ocasiões e datas e assim por diante.
Parece frescura, eu sei, mas eu sou assim desde que consigo lembrar. 
Não sei se existiu alguma interferência na minha criação ou se nasci com essa característica. A realidade é que eu sou Metódica, com m maiúsculo. Preciso ter o controle das minhas coisas. Da minha agenda, do meu guarda-roupa, dos meus dvds, do meu quarto. Dito isso, é previsível que o momento em que eu perco o chão é quando não consigo controlar ou organizar alguma coisa. E isso acontece com certa frequência, mas não é nada físico, é a minha própria vida. Mas eu só dou conta quando me pego olhando as estrelas em cima da minha cama, me perguntando: "porra, e agora?". 
Eu, sempre segura de mim mesma, também perco a direção e recorro a alguém. No caso, é sempre o mesmo alguém. É a pessoa que sabe de cada detalhe das minhas manias, dos meus passos e percebe antes de mim quando estou prestes a soltar a mão do volante. 
Me conheceu numa época estranha, de mudança, de descobertas e sobreviveu a todas as tempestades. Resistiu, me deu a mão, me abraçou, me salvou de mim. Eu queria ter ele emoldurado na minha parede, protegido por um vidro em que eu pudesse quebrar em caso de emergência, no caso de eu não conseguir esticar o lençol da minha cama ou me apaixonar. 
Ao invés disso, mesmo que eu abrace ele menos do que eu gostaria e pague mais cervejas do que deveria, eu sei que ele vai me colocar na razão. Eu sei que ele vai me ligar enquanto eu estiver dormindo e mesmo de mau humor, eu vou rir, vou me sentir segura e vou entender que por mais que eu queira, eu não vou ter o controle de tudo. Que eu preciso de um amigo que segure a minha mão e, por que não, as minhas lágrimas. 

Fofe, espero ser pra você pelo menos metade do que você é pra mim.
 

Template by BloggerCandy.com