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quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

No país da bunda e do carnaval, é proibido ser gordo*

*Título em referência à esse texto da jornalista Juliana Romano no Brasil Post (12/02/14)

Me considero uma mulher normal.
Mas aí depende do que é normal pra você.
Sempre fui a gordinha bochechuda que todas as tias da família adoravam apertar e me deixar constrangida. Timidez (que depois de muita terapia entendi que na verdade é introspecção) é uma das minhas características também. Eu ficava rosada, sem graça e desde que entendi o que é ser gorda, ou melhor, uma mulher gorda, eu me questiono.
Nunca sofri bullying na escola por causa do meu peso. As crianças de 15 anos atrás (pelo menos durante meu tempo de escola) não se importavam muito com isso, eu me sentia confortável e tinha mais amigos meninos do que meninas, a gente jogava bola, colecionava tazo, lia livros juntos e se divertia bastante. Sempre achei as minhas - poucas - amigas bem parecidas comigo: lembro da Paula, ela era bem magricela e tinha cabelo liso, preto e com franja. A Karem era alta, magra e loira com um lindo cabelo cacheado. A Tati também era loira, tinha o cabelo liso bem fininho. Não era gorda nem magra, tinha sido transferida de escola e se aproximou da gente. Eu sempre fui mediana, meio gordinha (meu uniforme era um número maior do que das meninas), meu cabelo era cacheado e mesmo assim, éramos iguais. 
Quando mudei de escola na 5ª série, o colégio era conhecido por ter 20 salas cheias durante os 3 períodos e acomodava alunos até o 3º ano do Ensino Médio. Conheci a minha melhor amiga (até hoje!) e também minha chará, ela era mais parecida comigo: usava o mesmo número de uniforme, tínhamos os mesmos assuntos e curiosidades, morávamos perto uma da outra e isso nos aproximou bastante. Tinha encontrado a minha "turma".
A gente foi crescendo, conhecendo pessoas e voltaram as minhas tias e seus comentários sobre o meu peso, tamanho da roupa, como eu calçava 38 aos 14 anos e por aí vai. Mas as minhas tias eram na verdade garotas de outras salas, estereotipadas com seus cabelos lisos com luzes loiras, jeans sem bolso no traseiro (dava a impressão da bunda ser maior) e blusinhas da cow girls com as costas nuas. E como eu me sentia? Normal. O que eu tinha de diferente?
Ilustração: negahamburguer.blogspot.com.br
Eu ainda não tinha entendido a gravidade do problema.
Terminei a escola, passei no vestibular e estou no último ano de Jornalismo. Aos 20, ainda andando com as mesmas pessoas, tendo mais amigos homens do que mulheres, agora ao invés de ir pra casa da turma a tarde depois da aula, a gente se reúne num bar pra jogar conversa fora e beber cerveja, eu me sentia normal. Falo de sexo, cocô e cinema com facilidade. Dou risada alto, xingo, vou pra lugares que eu não iria sozinha, só pra acompanhar os meus amigos e me divertir e às vezes exagero na bebida. Nunca me disseram que eu estava fora do contexto, na verdade, quando um cara tentou me convencer do contrário, resolvi que o errado era ele e não eu. E mesmo depois de perder quem eu achava que era o "amor da vida", (mas na realidade não me aceitava tão bem assim na frente dos amigos) ainda não tinha caído a ficha de que eu não era tão normal assim pras outras pessoas.
Eu era gorda. Eu não me importava com a grife do meu jeans ou a marca do meu tênis. Saía com o cabelo molhado enrolado num coque e um moletom de capuz quando estava frio. Um short e havaianas quando estava calor.
Isso não é sobre o que eu visto, é sobre o tamanho das minhas roupas. A dimensão do meu corpo, que aparentemente no meu espelho parece mil vezes menor do que na vista das outras pessoas. 
O fato de eu não me importar chama a atenção nos corredores da faculdade, na mesa do lado no bar ou na calçada enquanto eu fumo o meu cigarro. O dinheiro que eu ganho trabalhando pra pagar a mensalidade do último ano teria que render o suficiente pra eu beber uma vodca mais cara, comprar roupas ao invés de porções de salame e claro: fazer regime.
Sabe o que é mais engraçado? Eu tive que aprender tudo isso sozinha. "Aprender" que ao meu redor eu era motivo de curiosidade: "como você é tão nova e não se cuida?", estar acima do peso é sinônimo de doença. Eu, que por ser filha única de mãe metódica e super protetora, sempre tive meus exames em dia, nunca tive colesterol, diabetes ou pressão alta. Se dentro da minha casa, no meu quarto, no meu espelho eu me sentia bem, qual é o direito do outro em se importar com o meu corpo?
Ilustração: negahamburguer.blogspot.com.br
Eu não gosto de tirar selfies, encher o feed do Facebook com fotos minhas, me exibindo em alguma pose ou postar frases de algum poeta que está na moda. Isso influencia a minha personalidade, a mulher normal do meu mundo não é a mulher maravilha, não é uma modelo ou a capa da revista que promete fazer você perder 4 quilos em 15 dias fazendo a dieta do chá. Parafraseando a jornalista Ju Romano: "Eu sou assim, gordinha, com a mente muito mais rápida que o metabolismo."
A minha aparência é muito pouco e muito pequena perto da mulher que eu posso ser. Li muitos relatos de outras meninas que se sentiam - e sentem - como eu e aprendi a amar, cuidar e depois de 20 anos, assumir a escolha de ser como sou. Não quero dieta, não quero pudores, não quero me adaptar. Não vou chorar dentro de um provador me olhando no espelho e me sentindo mal, com uma "culpa" de ser como sou.
Cultivo minha beleza de dentro pra fora. E com o passar do tempo, das pessoas e dos padrões, eu vou seguir com o desejo de ser melhor a cada dia, do meu jeito, como eu quiser.

• Juliana Romano, jornalista e dona do blog Entre Topetes e Vinis que aborda assuntos como a "quebra de padrões" e tendências de moda plus size, publicou as Confissões de uma Mulher Normal, que me inspirou no desabafo acima. As ilustrações que utilizei são da Negahamburguer, uma artista chamada Evelyn, que abraçou e deu forma ao Projeto Beleza Real, que tem como objetivo "mostrar através de intervenções urbanas as histórias reais de pessoas que por culpa do padrão de beleza que é imposto, já sofreram algum tipo de preconceito por serem gordas, magras, altas, baixas, negras, albinas, ou qualquer outra condição linda que a nossa sociedade insiste em falar que não é bom ou bonito. Estamos aqui para mostrar que isso é mentira e todxs nós somos lindxs porque somos reais."

  Aceite o seu corpo 

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