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segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Ao início, o fim e o meio.

Ele não me disse adeus.
E quando voltou, também não me cumprimentou. 
Mas desde sempre foi assim: a gente conversa só o necessário.
Não nos damos beijo de boa noite, nem confessamos sentir saudade, muito menos abraço de feliz aniversário. Pode parecer estranho e frio, mas a gente se dá bem assim.
Desde o começo, quando eu pedia ajuda pra terminar alguma atividade da escola e ele me dava um livro sobre a matéria e mandava eu ler. Eu me irritava com a falta de atenção, hoje eu entendo o lado dele. 
Ao contrário do gato que a gente cria, que ele faz carinho e não hesita em proteger. Pode soar arrogante, mas a gente se dá bem.
Ele me apresentou o rock, o Raul Seixas, Bee Gees e o Lobão. Quando todo mundo tinha um disk man, ele me deu um Philips que tocava LP, fita K7 e CD. Na coleção de discos dele, tinha uma pilha só do Roberto Carlos e Erasmo, foi quando eu entendi a importância da música pra expor sentimento.
É ateu, ri quando vão à missa e nunca entra em igreja. Não por ser chato, mas por respeitar tanto que não consegue invadir o espaço de ninguém pra ofender a crença alheia. Não se incomoda com os meus incensos ou papos sobre Buda e liberdade.
Quando eu estava chorando por causa dos namoradinhos e ele me ignorava e eu sentia tanta raiva... mas hoje percebo que ele sabia pelo que valia a pena chorar.
Lembro também da primeira vez que eu fui suspensa no ensino médio e ele teve que ir na escola me buscar. Nunca senti tanto medo e coragem ao mesmo tempo: será que ele finalmente iria abrir a boca e gritar comigo? Demonstrar qualquer sentimento, mesmo que seja raiva? Não. Ele me ignorou por um mês, mais ou menos. Ou até esquecer a decepção.
Me levava aos sábados de manhã pro curso de inglês ouvindo Raul no volume 23 e me dava um orgulho tão grande ter um pai que me dava tantas boas influencias sem falar uma palavra. Pagava com orgulho, mas nunca se interessou se eu estava progredindo. Era da mesma forma na escola, no cursinho e hoje na faculdade. Será que é confiança ou ele só quer saber quando dá alguma bosta?
Ele nunca me deu presente em datas comemorativas, sempre ganhava dinheiro pra comprar o que queria. Ao mesmo tempo que achava demais, sempre me faltou alguma coisa. Assinava os cheques para todos os passeios da escola, me dava uma das parcelas do décimo terceiro pra eu comprar roupas e tênis pro natal, quando eu sequer sabia o que era ter um emprego ou muito menos o que é trabalhar 20 anos no mesmo lugar.
Quando chegou a hora do vestibular, me perguntou se a primeira opção era Biologia. Eu calei. Depois de 18 anos de silêncio, não queria desapontar a única certeza que ele tinha: a filha seria uma bióloga. Respirei e disse que ia ser Jornalismo e que não teria segunda opção. Bateu o cigarro no cinzeiro, olhou pra mim e perguntou se era isso que eu queria fazer o resto da vida, eu respondi que o resto da vida era muito tempo, mas era isso que eu queria agora. Me apoia há 3 anos e há um de me formar, ri quando eu digo que terá de dançar comigo na formatura.
Tenho planos de ir pra fora, comprar o primeiro carro ou um apartamento. Ele me conselha à usar o dinheiro da faculdade pra dar entrada num apartamento, fazer igual ele, investir em imóveis ao invés de carro.
Ele sempre quis ter uma filha mulher, mas queria 3. Nasci só eu, a única da vida, e hoje, aos seus 47 anos, ainda não o conhece tão bem ou já sei o suficiente pra manter uma boa relação.
Eu tenho tudo dele, da orelha até o formato do pé, o jeito frio de expressar alguma coisa ou a paciência pra ouvir a minha mãe conversando às 6h30 da manhã.
Feliz aniversário, pai. Obrigada por me dizer tanto sem falar nada.



Um comentário:

  1. não sei ao certo o porque, mas foi um dos textos desse teu blog que eu mais gostei.

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